quarta-feira, 23 de junho de 2010

Por um fio

Me lembro de um livro que li muitas vezes durante a minha infancia e reli outras tantas durante todo o meu tempo de adolescente e adulta, “o equilibrista”. O livro é inequívoco na sua maneira simplista da vida dita e escrita por um fio. A vida é um fio, memorável é esta a minha lembrança mais nítida quando lembro daquela capa azul, daquele menino-palhaço-inventor de caminhos em fiapos por onde ia, pedaços que inventava.

Hoje pensei no quanto estou por um fio. Um fio do que me basta para me lançar a coragem do que pretendo, um fio do passo em falso que pode me levar ao chão, um fio da meada, a um fio da vida, a um fio da morte. Estou, estamos, caminhando com os pés firmes sobre a terra. Isso é visível, palpável, tangível. Mas a linha que construímos para tocar o chão é transparente, é até imaginária, mas, de fato, existe.

Caminhamos, as vezes, sem rumo, sem aviso. Mas sempre sob um condutor de corda fina como um suspiro imperceptível. Mas sempre existente.

Agora tem gente morrendo e ansiando por último, em tempo de soprar um penúltimo ar quente mesmo de olhos fechados. Tem gente avivando num leve choro, num grito de vida ao abrir os olhos. Tem gente construindo, tropeçando, caindo, levantando, tirando onda, deitada dormindo, deitada acordada, fazendo um carinho, torcendo, segurando a linha de outra pessoa, chorando, sobrevivendo, cantando... sobre linhas.

O cuidado pode ser pouco, pode ser grande, pode ser qualquer um. Mas é cuidado em linha, em fronte, em migalhas emaranhadas um sob as outras, transversais, controversas. Assim como o menino do livro, a gente vai indo, vai seguindo, sempre andando por um fio de cair e por um fio de equilibrar-se. Sempre por um fio.

Certo é que a linha está o tempo todo debaixo dos nossos pés descalços sendo guiada ou guiando, embolando e desembolando o tempo todo. A vida está sempre por um fio, seja lá a história ou destino de cada um. Nunca se livra dela.

É uma Constancia. É uma linha. É sempre uma vida. Vidas todas equilibristas que saem do nosso carretel de gente. Lembrando daquelas páginas coloridas de um azul aconchegante, de um menino boneco tradutor de crianças e velhinhos, adultos inoperantes, causas nunca perdidas e todo tipo de gente como eu e você.

É uma linha que não sei se tem começo vivo e término morto. Mas é a linha da vida por um fio de acontecer. E  
acontece. E é linha polida, pequena e grande, fácil e difícil.

Respiremos todo o ar das páginas do menino equilibrista e continuemos na estrada firme calçada de fios porque a vida, a vida está sempre por um fio. Eu estou num fio, meu fio fino contínuo. A vida. Equilibrista, incansável. Sempre inevitavelmente por um fio. Respiremos, então. Um fio de ar pela garganta, um barbante de ioga do fundo do peito. No fio da vida.

Carol Bahasi
23.junho.2010
21:58h

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